Arquivo da categoria: Vida de jornalista

O Spotlight britânico

‘Attacking the Devil’ (disponível na Netflix) é uma espécie de Spotlight britânico. O documentário reconstrói a primeira grande campanha de um jornal do Reino Unido, liderada pelo editor Harry Evans, que revelou a barbárie provocada pela prescrição de medicamentos a base de talidomida, outro triste legado do nazismo.

Evans colocou à disposição do assunto a equipe Insight, editoria de investigação do Sunday Times (ainda hoje o jornal mais vendido do país), para expor ao público os horrores da má-formação de crianças cujas mães se submeteram a tratamentos com o uso da talidomida – então prescrita como ‘milagrosa’ contra os enjoos das primeiras semanas de gravidez.

Disclaimer: Evans é, ele próprio, uma das vítimas (sua filha foi afetada pela substância).

O trabalho do grupo de jornalistas desafiou a justiça britânica, que havia colocado o tema em sigilo – o que impedia, na prática, sua divulgação pelos jornais – e evidentemente chocou a Grã-Bretanha, jogando luz nos procedimentos nada íntegros da indústria farmacêutica.

A propósito, a editoria Insight existe até hoje, colecionando outros grandes furos no currículo.

Uma bomba na redação – 37 anos antes do Charlie Hebdo

O ataque ao Charlie Hebdo não foi o primeiro a uma publicação, digamos, satírico-anarquista. Em 1977, a sede da revista espanhola El Papus (em muito parecida com o semanário francês) foi palco de um atentado a bomba quando ocorria a reunião de pauta (outra semelhança). O zelador do prédio morreu e outras 17 pessoas ficaram feridas.

Não houve condenados pelo crime, atribuído a um grupo de extrema-direita que já havia feito ameaças a jornalistas da publicação – lembremos que a Espanha recém havia saído dos sombrios 40 anos de ditadura sob as mãos de ferro de Franco. Um cenário onde a intolerância grassava.

O documentário “El Papus, anatomia de um atentado“, revisita esse clima de terror, tenta explicar o porquê da impunidade e, especialmente, reverencia a irreverência da publicação, capitaneada pelo trabalho de talentosos cartunistas (como o jornal francês). A El Papus acabaria fechando as portas em 1986.

“Como não sabiam desenhar, tinham de usar uma arma. Dizem que a caneta tem mais poder que a arma. Claro que não, a arma é mais poderosa”, diz um entrevistado a certa altura.

Profético.

Jornalismo sem jornalistas

O polêmico Jorge Lanata, um Michael Moore do jornalismo, conduziu há dias um bom programa sobre o ofício na era dos governos “progressistas”. Ele é o titular do programa de TV que, além de pedra nos sapatos da presidenta Cristina, já bateu em audiência até clássicos de futebol (programados para o mesmo horário por ordem de… Cristina).

“Só percebemos o que é a liberdade de expressão quando a perdemos”, diz Lanata.

O assunto, claro, é a Ley de Medios, o “controle social da mídia” que nossos vizinhos põem em marcha. E que admitimos debater no Brasil.

A partir de uma declaração da presidenta numa videoconferência que marcou a incorporação de um canal de TV russo (!!!) à grade da TV argentina, o programa discute o “jornalismo sem jornalistas”.

Daí aparece uma atriz representando a mandatária e põe tudo a perder. Como fica a discussão e a apuração jornalística ao lado dessa pantomima?

Jornais piores

Demissões em massa (os passaralhos) fazem parte do cotidiano jornalístico (principalmente do impresso) há tempos. Eu, que comecei em 1990, ultrapassei alguns – puxando pela memória, mais de dez deles.

O que fica, para o consumidor de notícias, é geralmente um produto pior – digo geralmente porque houve veículos que se comportaram como órgãos públicos, com inchaço do quadro funcional e regalias do tipo carro com motorista para acompanhar a mulher do correspondente ao supermercado e outras benesses injustificáveis na iniciativa privada.

Esses tinham como pressuposto um momento nababesco que não volta mais e quase mereceram o fracasso – ainda que, de roldão, levassem junto milhares de profissionais.

Nos últimos dias, lendo com atenção alguns dos principais jornais brasileiros, a ficha caiu: eles estão piores, bem piores. Uso como critério algo bem objetivo: erros. Hoje, uma única matéria tem de dois a três erros, do irrelevante ao gravíssimo, inclusive nos lugares mais nobres (como a primeira página).

É esse o efeito colateral.

Nós e o mercado de notícias

Poucas vezes vi jornalistas falarem, em público, tão abertamente sobre as agruras (e “pequenos milagres”) da nossa profissão. O mérito é do documentário “O Mercado de Notícias“, de JOrge Furtado, que nesta semana fez a sua estreia na TV paga.

Frases como “Os cursos de jornalismo são muito frágeis e poderiam se resumir a um ano” ou “pessoas que escreviam bastante bem hoje já não sabem fazer isso e escrevem com os pés. É um efeito terrível da internet” ou ainda “Que o jornal em papel vai morrer, todo mundo sabe” compõem o material bruto das entrevistas com alguns dos grandes jornalistas brasileiros como Fernando Rodrigues, Janio de Freitas e Renata Lo Prete, todos disponíveis no YouTube.

O documentário usa como pano de fundo a peça “O Mercado de Notícias”, escrita em 1625 por Ben Jonson, e explora bem casos de erro jornalístico como a Escola Base e, menos conhecido, o falso Picasso do INSS.

Vale por várias aulas.

O ataque, pero no mucho

O documentário “O Ataque à Liberdade de Imprensa”, realizado por Andrey Moral e Marina Maimone, estudantes da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), tangencia talvez aquela que seja hoje a maior ameaça ao exercício profissional do jornalismo.

A violência policial, uma excrescência em si, não é inesperada. A questão, e já não é de hoje, é a agressividade que parte das pessoas que estão nas ruas se manifestando. Há várias histórias de jornalistas agredidos não pelo estado, mas por protagonistas de distúrbios e/ou mobilizações.

Não é só a polícia que, hoje, percebe a imprensa como inimiga. Outro dia mesmo a vítima foi a fotógrafa Marlene Bergamo.

Isso sim é a notícia.

Fósseis

José Roberto de Toledo aborda, em texto publicado ontem em O Estado de S. Paulo, os resultados de pesquisa de consumo de mídia encomendada pela Presidência da República ao Ibope.

E o que mais lhe chamou a atenção foi o enxugamento do leitor de jornal impresso (só 10% do país fazem isso quatro ou mais dias na semana) e a contradição entre o Facebook deter 31% das menções como “lugar onde você se informa” ao mesmo tempo em que as redes sociais estão na rabeira da credibilidade de informação.

É uma equação que, a médio prazo, parece não ter solução.

A pesquisa completa está disponível para acesso em PDF.

Libération quer virar rede social, mas precisa combinar com a redação

libeAfundado na crise, o jornal francês Libération anunciou nesta semana que vai virar uma rede social, produzindo conteúdo para todo tipo de plataforma.

O problema é que o projeto foi imposto goela abaixo da redação, que se revoltou. “Nós somos um jornal”, informa a manchete de sábado, 8 de fevereiro. Dias antes, os jornalistas da casa haviam participado de uma paralisação.

Voltaremos ao assunto em breve, mas acho que tudo é uma questão de equilíbrio: foi justamente por resistir à mudança dos tempos que o ofício do jornalista impresso foi enxugado inexoravelmente.

Imagem

Uma imagem na sexta…

periodismo

Natal dos jornalistas

Quer presentear um jornalista neste Natal e não sabe como? Eis algumas dicas.